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Pandemia, Meio Ambiente e a Sociedade

Por Angela Welters e Junior Garcia

A pandemia da Covid-19 revelou a fragilidade da sociedade e de seu sistema econômico e social em fazer frente a eventos complexos e grande escala, os quais podem ocorrer com mais frequência conforme sinalizam os relatórios do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e do IPCC (The Intergovernmental Panel on Climate Change). Apesar dos alertas do IPCC e dos pesquisadores, quanto a ocorrência de eventos climáticos extremos e aos efeitos da degradação da qualidade ambiental, parece que a sociedade e o sistema econômico e social simplesmente se mostram alheios e indiferentes.

A cada novo evento climático ou “desastre ambiental”, a sociedade mais vulnerável tem amargado perdas incomensuráveis, com a perda de milhares de vidas e bilhões de dólares em perdas materiais.

Os surtos de doenças infecciosas transferidas de animais para humanos, por exemplo, revelam outra interface da relação sociedade-meio ambiente-economia, os quais têm chamado a atenção internacional nos últimos tempos. No período recente a sociedade já vivenciou surtos de Ebola, gripe aviária, gripe suína (H1N1), Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS), Síndrome Respiratória Aguda Súbita (SARS), vírus do Nilo Ocidental, Zikavírus, entre outras. Contudo, nenhum destes surtos de doenças infecciosas alcançou a magnitude dos impactos sociais e econômicos da epidemia (pandemia) do novo coronavírus, o COVID-19.

Talvez os surtos infecciosos anteriores tenham sido apenas um ensaio para o que estava por vir. Mas parece que a sociedade não aprendeu muita coisa, porque até o momento a pandemia de COVID-19 tem revelado que a sociedade e o sistema econômico e social não estão preparados para enfrentar um evento complexo de grande magnitude.

Neste momento, a pandemia de COVID-19 mostra seus efeitos pelo mundo, com milhões de casos confirmados, milhares de mortes, milhões de pessoas desempregadas e sem renda, sistemas econômicos e sociais ameaçados, resultando em trilhões dólares em perdas econômicas. Este cenário proporcionará uma das maiores crises sociais e econômicas da história do capitalismo e da sociedade moderna. O FMI (Fundo Monetário Internacional) sinaliza que esta crise deve superar o período da crise de 1929 e de longe a de 2007/08. A sociedade como a conhecemos está ameaçada.

Será que a sociedade como a conhecemos não seja a origem destas crises de saúde, sociais, ecológicas e econômicas?

É evidente que neste momento toda a discussão está centrada ao combate do COVID-19, tais como a busca de medicamentos e o desenvolvimento de vacinas. Em segundo plano tem-se a atenção para as medidas que visam reduzir as perdas econômicas e garantir o emprego (e da renda) agora e no pós-pandemia. O que ainda não tem sido incluído na devida medida neste debate são as mudanças sociais e econômicas necessárias para recuperar e proteger os ecossistemas. Está claro que dependemos do meio ambiente, e não o contrário, e que as crises recentes enfrentadas pela sociedade têm uma importante interface ecológica.

Desde o fim da II Guerra Mundial a sociedade tem devastado o meio ambiente, a tal ponto que agora tem comprometido a qualidade de vida das pessoas e o seu sistema econômico (entendido como o sistema organizado para prover os bens e serviços essenciais). Um estudo realizado por pesquisadores da Stanford University revelou que o desmatamento (perda da cobertura florestal ou vegetal) pode contribuir para a disseminação de doenças contagiosas para humanos. Isso porque o desmatamento abre a possibilidade do contato dos humanos com novos vírus; na medida que os animais perdem seus habitats ocorre uma aproximação com a sociedade e transmissão de novas doenças.

O exemplo mais famoso é a AIDS (HIV – Vírus da Imunodeficiência Humana), em que o vírus foi transmitido aos humanos pelo chimpanzé. E mais recentemente tem-se o COVID-19, em que as primeiras investigações indicam que a contaminação humana ocorreu a partir do consumo de carne animal infectada em regiões da China, mas especificamente em Wuhan.

Estudo do PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) de 2016 já mostrava que “60% de todas as doenças infecciosas emergentes nos seres humanos são zoonóticas e estão intimamente ligadas à saúde dos ecossistemas”. As perdas florestais na África Ocidental, por exemplo, seriam a causa do surto de Ebola, uma vez que as cidades ou assentamentos humanos se aproximam cada vez mais da vida selvagem. As criações intensivas de aves e suínos estariam conectadas a outros surtos, bem como, o comércio de animais selvagens a outros. Além da perda de cobertura florestal e de habitas, tem-se a influência humana sobre o clima, sobre o uso e cobertura da terra e sobre a vida selvagem.

O resultado tem sido uma perda na biodiversidade, favorecendo determinados hospedeiros/vetores e patógenos. Assim, o avanço do desmatamento e a destruição dos habitats da vida selvagem estariam na causa da maioria destes surtos.

Apesar de o Brasil estar em meio a pandemia de COVID-19, os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) mostram que março de 2020 registrou a segunda maior taxa de desmatamento para o mês dos últimos cinco anos! Nem mesmo uma pandemia é capaz de conter o desmatamento no Brasil.

Mesmo com tantas evidências e alertas, a sociedade tem se comportado de maneira indiferente com o fundamental papel exercido por ecossistemas preservados para a qualidade de vida. Desse modo, não faz sentido pensar um mundo pós-pandemia do COVID-19 sem uma mudança na relação sociedade-meio ambiente-economia. Precisamos remodelar nossa sociedade e nossa economia (entendida como sistema econômico) a partir da dimensão ecológica.

É preciso adotarmos a dinâmica ambiental como modelo para a nossa organização social e econômica. Uma perspectiva ecológica e social. Sem uma mudança nesta relação, surtos infecciosos e desastres “ambientais” farão parte da rotina das pessoas. Já fazem, mas para não que a sociedade ainda não percebeu esta mudança. O problema é que não temos uma sociedade e um sistema social e econômico preparados para esta realidade! Estudo publicado por cientistas da Universidade de Harvard, na Revista Science, por exemplo, alerta para possibilidade de períodos de quarentena alternada até 2022 e de que o coronavírus Sars-Cov-2 teria incidência sazonal como outros vírus semelhantes.

Se permanecermos com a busca incessante ao crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) a despeito de seus impactos negativos sobre o meio ambiente e a sociedade, nada terá sido aprendido com a crise do COVID-19. A volta a “tal normalidade” deve ser encarada como uma oportunidade que o meio ambiente estaria oferecendo para a humanidade cuidar da sua casa comum, o Ecossistema Global.

Lembre-se, o Ecossistema Global não precisa dos humanos!

Até quando a sociedade e o nosso sistema social e econômico suportarão as crises ecológicas, sociais, econômicas e de saúde? Este é o momento de fazer um pacto social global em prol da melhoria da qualidade ambiental, sem a qual, qualquer ação em termos de infraestrutura econômica se mostrará ineficaz. Basta ver a tragédia em curso nos Estados Unidos, o país mais rico do mundo! É isto que deixaremos de legado para as futuras gerações?

Angela Welters – Professora do Departamento de Economia e Coordenadora do NESDE (Núcleo de Estudos em Economia Social e Demografia Econômica) da Universidade Federal do Paraná.

Junior Garcia – Professor do Departamento de Economia e Coordenador do Grupo de Estudos em MacroEconomia Ecológica (GEMAECO) da Universidade Federal do Paraná.

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