Na tentativa de combate à pandemia do Covid-19 no Brasil foram gestadas um conjunto de medidas emergenciais de restrição à circulação de pessoas, preferência ao trabalho remoto, fechamento do comércio não essencial, incluindo restaurantes e prestadores de serviços não essenciais, entre outras medidas. As análises dos impactos econômicos e sociais destas medidas, deixam claro que boa parte dos cidadãos brasileiros estão desprotegidos e desamparados devido a informalidade, a uberização do trabalho, bem como ao desemprego que atingiu 11,9 milhões de brasileiros em janeiro de 2020. Acrescente-se ainda, o corte de milhões de benefÃcios do Bolsa FamÃlia desde 2019, dentro das medidas de ajuste fiscal do governo federal, imputando-o aos mais vulneráveis.
Desde a Reforma Trabalhista, mais de 40% dos vÃnculos de trabalho são informais ou precários e a população subocupada por insuficiência de horas trabalhadas chegou a 6,6 milhões em janeiro último. Diversos estudos tem apontado para o crescimento da pobreza e da desigualdade social, contudo, parece que apenas agora, com a pandemia do Covid-19, esta realidade fica desnudada.
Os trabalhadores informais, os trabalhadores dos serviços e uberizados ficam sem qualquer garantia de renda e temem pelo futuro de suas famÃlias. Parte importante, destas famÃlias são chefiadas por mulheres que, além de perderem seu sustento, não tem como trabalhar devido ao fechamento de creches e escolas. Neste contexto, o governo federal sinaliza com alguma garantia temporária de renda, ainda não confirmada entre R$200 e R$300, o que certamente é insuficiente para garantir um sustento mensal de uma famÃlia.
Este é o momento de a sociedade fazer uma autocrÃtica e cobrar de seus governantes medidas claras de combate a pobreza e a desigualdade, bem como, de imputar esta conta aos mais ricos. Vivemos no sétimo paÃs mais desigual do mundo, atrás apenas de paÃses africanos e estamos diante da possibilidade de uma crise humanitária sem precedentes no Brasil. Enquanto isso, são estudadas medidas bilionárias de ajuda a setores da economia como o setor aéreo, que já reclama de perdas devido à redução das viagens nacionais e internacionais. Segmento este, que já anunciou redução do número de voos e férias sem vencimentos para parte de seus colaboradores.
Assim, cabem algumas perguntas: qual o paÃs que desejamos? Em que medida a proteção a setores econômicos deve ser a prioridade? Por que motivo não é cogitada a taxação das grandes fortunas do paÃs ou o adiamento do pagamento de juros da dÃvida?
A pandemia chega num momento que o paÃs está muito fragilizado seja econômica ou socialmente. O cenário que se desenha é de recrudescimento da crise com elevado ônus para as populações mais vulneráveis. Mirando esta tragédia no horizonte, espero que nossa sociedade reflita e lute por uma distribuição mais igualitária da riqueza num futuro breve e que perceba, que nosso maior problema não é tanto a falta de crescimento do PIB, mas a imensa desigualdade na distribuição da riqueza. Mais do que nunca pode-se dizer que a desigualdade mata!
Por Angela Welters – Professora do Departamento de Economia da UFPR – Doutora em Desenvolvimento Econômico pelo Instituto de Economia da UNICAMP e Coordenadora do NESDE.
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