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Capitalismo rentista, tecnologia e trabalho

Liana Carleial[1]

Este momento de acirramento do capitalismo financeirizado/rentista e do aprofundamento do neoliberalismo, como ideologia e método de ação política, em diferentes países com histórias, estruturas produtivas, posições distintas na geopolítica mundial, níveis educacionais e de desenvolvimento profundamente díspares tem gerado uma série de impropriedades e de erros, na tentativa de confundir as sociedades atingidas, buscando convencê-las de que esse é o caminho acertado para o nosso presente e o nosso futuro.

Tem sido mesmo um método avassalador de retirada de direitos arduamente conquistados ao longo de décadas, de esfacelamento dos coletivos imprescindíveis ao funcionamento do capitalismo, como os sindicatos[1], e de entronização de um modo de vida baseado no isolamento das pessoas, de culpabilidade individual por sua posição social, na inoperância da sociedade civil e numa concepção de Estado de costas para essa sociedade e de mãos dadas com os ricos, especialmente, com o sistema financeiro. A discussão sobre os prováveis avanços tecnológicos também confundem, transmitindo uma falsa idéia de homogeneização de acesso para todos.

“Essa modalidade de trabalho não seria possível sem a ação do próprio Estado em defesa do capital” - Charge: Matheus Ribeiro (@o.ribs)
“Essa modalidade de trabalho não seria possível sem a ação do próprio Estado em defesa do capital” – Charge: Matheus Ribeiro (@o.ribs)

Ao longo da história do capitalismo e da teoria econômica, a tecnologia ocupa um papel central. Desde os primeiros intérpretes dessa realidade nascente, como é o caso de Adam Smith, a tecnologia foi vista como a responsável pelo aumento da produtividade, apresentando maior potencial para ser incorporada nas atividades industriais, ampliando as ocupações existentes e especializando trabalhadores, inclusive aqueles que, por observar os operários, seriam capazes de produzir novos instrumentos e ferramentas. Keynes numa locução de rádio, intitulada “Para os nossos netos”, em 1932, afirmou que não haveria mais limites à progressão capitalista, pois a aceleração tornada possível pela tecnologia permitiria que, em cem anos, não houvesse sequer uma necessidade humana que não pudesse ser atendida, tal o vigor do novo sistema. Sabiamente, porém, Keynes alertou. A única limitação que poderá acontecer é a definida pela política.

Entre as contribuições de Smith e Keynes passaram-se dois séculos e meio, evidenciando que o capitalismo não muda tão rápido assim, pelo menos essencialmente,  porque aparentemente, sim, ele tem mudado. Também entre a interpretação dos dois autores citados, as interpretações do capitalismo e da tecnologia também se ampliaram,  no âmbito da economia, com destaque para Marx e Schumpeter, dois autores incontornáveis quando o tema é capitalismo e tecnologia.

Marx, ao dominar o materialismo histórico e dialético, distanciou-se dos enganos dos economistas políticos clássicos, identificando na mercadoria capitalista, a forma elementar da riqueza daquele momento histórico, e o seu desenvolvimento responsável pela emergência da força de trabalho, da forma preço e do próprio capital. A introdução do progresso técnico e as mudanças nos processos de trabalho se fazem como uma determinação do capital na busca de ganhos de produtividade, chegando a atingir uma autonomização desse movimento ao longo do tempo, alterando formas de competir, estruturas e setores de produção. Schumpeter vai afirmar que é a inovação em insumos, processos e produtos a responsável pelo desenvolvimento e de, forma rigorosa, atualiza o pensamento smithiano, no sentido de que a economia contará com setores específicos para pensar e promover tais inovações, o que chamamos hoje de Ciência e Tecnologia (C&T). Importante considerar que os efeitos sobre o mercado de trabalho eram observados, como o desemprego e mudança na natureza dos empregos, porém, a economia política marxista também oferecia a solução política: a redução da jornada de trabalho. Certamente, a realidade do capitalismo contemporâneo nem sempre atendeu a tal sugestão.

Estamos quase chegando no prazo definido por Keynes, 2032, e ele parece ter razão em ambos os argumentos. Praticamente, nenhuma necessidade humana objetiva e material, tem alguma dificuldade ou empecilho para ser produzida, o que não significa que todos possam atender a tal necessidade. Igualmente, os impedimentos existentes são mesmo de natureza política e não técnica, como é a escolha pelas práticas neoliberais e das políticas de austeridade que atingem, especialmente os países subdesenvolvidos, como é o caso brasileiro. Mesmo que possamos reconhecer que os avanços tecnológicos estão até bem “atrasados” em relação às expectativas de trinta anos atrás, hoje, fala-se muito da indústria 4.0, do futuro possível com o 5G e o que acontecerá com o trabalho e o emprego nesse novo cenário.

O objetivo deste artigo é então chamar a atenção para a posição relativa do Brasil no ambiente das tecnologias digitais mais avançadas, as implicações sobre o mercado de trabalho e as condições de emprego num dos momentos mais difíceis e complexos da nossa história quando estamos submetidos, desde 2019, a um governo “eleito” de corte neoliberal na economia, de práticas fascistas e anti-democráticas, cujas naturezas foram rapidamente exacerbadas  com a chegada da pandemia do corona vírus, em fevereiro de 2020, e, ainda mais agravada pela falta de coordenação nacional de uma política de prevenção e cuidados que respeitasse os princípios propostos pela OMS- Organização Mundial da Saúde[2]. Na realidade, o grupo no poder adotou uma postura negacionista, capitaneado pelo presidente da República, diminuindo a gravidade e os riscos da doença, postergando a compra de vacinas, mesmo tendo Instituições brasileiras, em parceria, com os fabricantes internacionais. Em abril de 2021, o Brasil atinge o maior número de casos e óbitos, no mundo, vive um colapso hospitalar em muitas cidades, há falta de insumos básicos para os procedimentos necessários de intubação, e algumas cidades suspenderam a vacinação à espera de novas doses.

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[1] Com a extinção da obrigatoriedade do imposto sindical, em 2017, em decorrência da reforma trabalhista, a receita do imposto sindical caiu 96%. Em 2017, foi R$3,64 bilhões e, em 2019, R$128,3 milhões. www.poder360.com.br; consultado em 28.01.2020.

[2]Para uma análise mais detalhada ver: Pires, F. & Carleial, L.   “Quando os desiguais se assemelham: Brasil e Estados Unidos sob a covid-19” In: Junior Macambira et al.(orgs) Desmonte do Estado e das Políticas Públicas: retrocesso do desenvolvimento e aumento das desigualdades no Brasil. Fortaleza:IDT, 500p. pp 431-468, 2020.


[1]Economista. Mestre em economia pela UFC, doutora em teoria econômica pela FEA-USP, com estágio de pós-doutorado na Université Paris XIII, no Centre de Recherche en Économie Industrielle( CREI). Foi professora visitante no Departamento de Economia da Université Jules Verne – Picardie (Amiens-França). É professora titular em economia da Universidade Federal do Paraná ( UFPR). É professora convidada da Pós-graduação em Direito da UFPR  e pesquisadora do Núcleo de Direito Cooperativo e Cidadania (NDCC)  da mesma Universidade. É também pesquisadora voluntária do GIREPS- Groupe de recherche interuniversitaire et interdisciplinaire sur l´emploi, la pauvreté et la protection sociale, da Universidade de Montréal.  liana.carleial@gmail.com

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