Menu

Economia para a vida: por uma nova organização da produção e da reprodução da vida

A pandemia da covid-19 evidenciou muitas das fragilidades e a própria falta de sentido em algumas práticas econômicas e sociais, as quais sequer questionávamos, pois vivíamos numa espiral de falta de tempo. 

Justamente o tempo, que é percebido de forma diferente durante o confinamento, uma dimensão esquecida em estudos de bem-estar e qualidade de vida, pode ter seu valor mais bem avaliado. Afinal, o que é o tempo? Ou melhor, o que entendemos por tempo? Será que o relógio mede o tempo?

Por muitos séculos, o “tempo” era o “tempo natural”. Com isso, a gestão do “tempo” pelas pessoas era ditada pelo “tempo da natureza”. A maioria das atividades humanas não era ditada pelas vontades humanas, mas pelo tempo da natureza. As decisões eram baseadas no dia (luz solar) e na noite (base para orientação geográfica, por exemplo), pelas estações do ano (momento correto de plantar e de colher) etc.

O tempo é invisível, nossos sentidos não podem perceber o passar de uma hora, assim, ele é uma construção social, que desde o advento do capitalismo, está cada vez mais associado à jornada de trabalho do que ao tempo para a vida, como na noção da corrida dos ratos. 

https://dilbertorosa.wordpress.com/2019/10/31/entenda-a-corrida-dos-ratos-de-uma-forma-simples/

O que se mede na verdade é o tempo de trabalho ou a jornada de trabalho. Neste contexto, a gestão do tempo é pensada apenas como uma forma de aumentar a produtividade e não como uma maneira de viver com mais bem-estar. 

E apesar de todo o crescimento da riqueza material e da massificação da produção, proporcionada pela produção capitalista, a humanidade ainda não pode desfrutar de alguma emancipação ou ampliação de seu tempo livre. Ao contrário, está presa na lógica capitalista de que não se pode “perder tempo” pois, o tempo é dinheiro. O capitalismo e as inovações teoricamente libertaram as pessoas (e a sociedade) do tempo da natureza. Contudo, ao invés de termos mais tempo, parece que cada vez temos menos tempo.

Mas, qual o valor do tempo? Como a disponibilidade de tempo influencia a qualidade de vida? Pode-se falar em pobreza de tempo?

Quando se pensa no tempo, como tempo de trabalho ele perde conexão com a vida, ganha uma temporalidade distinta e transforma em “tempo livre” (fora da jornada de trabalho) todo o tempo gasto em outras tarefas, como aquele usado para os afazeres domésticos, cuidado de pessoas, estudos, lazer, descanso, convívio familiar e comunitário, tempo de cuidado pessoal e com a saúde etc. 

Assim, quanto mais tempo uma pessoa gasta nas tarefas domésticas por exemplo (além da sua jornada de trabalho remunerado), menos tempo disponível para o descanso, cuidado pessoal, socialização ou lazer. A noção de pobreza de tempo advém justamente deste confronto entre o trabalho remunerado e não remunerado, considerando que o tempo dos indivíduos não é ilimitado. A maior ou menor pobreza de tempo, estaria na condição que cada pessoa ou família tem de alocar seu tempo entre estas tarefas necessárias para sua sobrevivência material e não material. 

Com isso, o trabalho de reprodução social, conduzido em grande medida pelas mulheres em seus domicílios, ganhou destaque da imprensa num momento em que mesmo as mulheres de maior poder aquisitivo confrontam-se com a necessidade de dar conta do cuidado e dos afazeres domésticos ao invés de contratá-lo para evitar o contágio pela covid-19. 

Por outro lado, a união, no mesmo espaço, do trabalho não remunerado e remunerado, torna a rotina, especialmente das mulheres, um grande desafio. Organizar a vida do lar; a rotina dos filhos; a limpeza e higiene (essenciais num momento de pandemia); a alimentação e, ao mesmo tempo, participar de reuniões remotas e “produzir” para seu trabalho remunerado parece inconciliável. 

Este problema da dupla jornada, do trabalho remunerado e não remunerado recaindo sobre as mulheres não é novidade. O que é novo, é o espaço em que as duas modalidades de trabalho se desenvolvem durante a pandemia. As desigualdades de gênero neste contexto ficam muito mais evidentes. 

Além disso, esta nova percepção sobre o tempo, despertada pela pandemia da covid-19, pode se traduzir numa ressignificação da vida e do uso do tempo pelas pessoas. Neste momento, pode-se perceber que muitos dos bens que comprávamos anteriormente não são tão necessários e que o tempo de vida gasto para sua aquisição talvez seja um preço elevado demais. Cabe a pergunta: quanto vale o seu tempo? 

Autoria: Professora Angela Welters – Departamento de Economia da UFPR e Coordenadora do Núcleo de Estudos em Economia Social e Demografia Econômica.

UFPR nas Redes Sociais

UFPR no Flickr
Universidade Federal do Paraná
Núcleo de Estudos em Economia Social e Demografia Econômica – NESDE
Av. Prefeito Lothário Meissner, 632, Prédio Sociais Aplicadas, Térreo, Jardim Botânico
Fone(s): +55-41-3360-4442
CEP 80210-170 | Curitiba | Parana


©2024 - Universidade Federal do Paraná

Desenvolvido em Software Livre e hospedado pelo Centro de Computação Eletrônica da UFPR